Símbolos, religiões, ícones, salvadores, traidores, chacinas, revoltas e mesmo sistemas de governo. Parece uma breve descrição da história da humanidade, mas foi um jogo de Game Boy.

Levou 16 dias e mais algumas horas quebradas, mas conseguiram. Através de centenas de comandos contraditórios, o Twitch conseguiu fazer o garoto de boné em Pokémon Red se tornar o maior treinador de monstrinhos que já existiu. Isso prova que a união faz a força? Considerando que a maioria das crianças de 7 anos leva menos tempo do que isso para terminar o jogo, não. Mas mostra como tem gente desocupada nesse mundo, e, mais importantemente (para nós), mostra a força do design de Pokémon como um todo, algo que parcialmente justifica o seu sucesso.

Talvez muitos de vocês nos seus vinte e tantos tenham esquecido, mas acreditem se quiser: Pokémon é um jogo feito principalmente para crianças. Sim, crianças, pivetes, moleques, daquele tipo que faz muito barulho e grita por qualquer coisa, leva dois minutos para ler uma frase e fica incessantemente te pedindo o controle enquanto você morre pela sétima vez em Blighttown. E a prova disso (comprovado pelo Twitch, que em grupo tem menos coordenação motora que esses pivetes) é que, diferente de Dark Souls, Pokémon é construído de um modo onde você não pode perder nunca.

“Morresse, fi?”

É impossível falhar em Pokémon. Bom, praticamente impossível: a menos que você faça uma cagada muito grande tipo abandonar o seu inicial e sobrar só uma Magikarp de Level 5, você precisa ser muito estúpido para alcançar um muro sem saída. E como pode isso? A razão pela qual isso acontece é porque Pokémon, inspirado pelos seus primos mais velhos Dragon Quest e EarthBound (que também foi feito pela Creatures!), não possui uma tela de Game Over.

Quando você é derrotado em Pokémon você “desmaia” e retorna ao último Centro Pokémon. Você perde uma boa parte de seu dinheiro, mas mantém a experiência adquirida nas últimas batalhas, diminuindo a possibilidade de falhar na sua próxima tentativa. Isso quer dizer que mesmo ao ser derrotado, você nunca deixa de avançar no jogo. Agora compare isso a Final Fantasy, que não contente em descartar toda a experiência, itens e progresso que você havia acumulado ao falhar, glorifica TANTO a sua derrota que não apenas tem uma tela específica só para isso como até mesmo uma MÚSICA própria de Game Over antes de te mandar de volta à tela título. Tudo em nome de dizer como você é um bosta que não sabe jogar a porcaria do jogo.

Isso quer dizer que o modo de Pokémon encarar a derrota do jogador é melhor que a de Final Fantasy? Não exatamente. Se é MELHOR ou pior cabe ao julgamento do designer do jogo. Mas é certamente menos frustrante, e indiscutivelmente mais APTO para um jogo como Pokémon, que preza pela acessibilidade. Como o design de Pokémon funciona quase que por uma exaustão de possibilidades, onde o progresso é feito por atos simples (vá de ponto A ao B, encontre item C para usar em D) e a vitória pode se resumir a subir muitos níveis, ele é um jogo possível de ser completo por qualquer pessoa que tenha paciência e muito tempo em mãos. Isso inclui desde moleques barulhentos de 5 anos que mal sabem ler a milhares de pessoas desocupadas no Twitch.

Em uma era onde “morrer” dentro do jogo é quase considerado um erro de design e o jogador deve sempre estar prosseguindo não importa o que aconteça, é interessante parar para ver como certos jogos encaram a derrota. Quem não lembra do saxofone hilário que tocava em Uncharted 2 sempre que você errava um pulo, apenas para retroceder meros segundos de progresso? Era incongruente, mas o objetivo de Uncharted 2 era justamente te manter em uma aventura que não deixava a peteca cair. Dava pra trazer muitos outros exemplos de outros gêneros, mas isso fica pra outro dia.

Jogos diferentes fazem sucesso por motivos diferentes. Não dá pra diluir o sucesso de Pokémon em um único quesito – outros aspectos como completividade, design visual, apelo popular, portabilidade e aspectos sociais também figuram nesta equação – mas a acessibilidade certamente é um dos mais fortes. E pra quem busca desenvolver um RPG e quer que ele seja aceito por um público o mais amplo possível, essa é uma lição digna de nota.

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